De professora primária à poeta nas redes sociais: como Adélia Prado se reinventa e chega aos 90 anos fazendo sucesso entre gerações

  • 13/12/2025
(Foto: Reprodução)
Adélia Prado durante o lançamento do livro "O coração disparado", na Escola Martin Cyprien Martin Cyprien/Arquivo O ano era 1970 e uma professora primária de Divinópolis prendia a atenção dos alunos usando uma didática incomum para a época: ler seus próprios poemas em sala de aula. Uma mulher que verbalizava, sem pudor, os temas que lhe ardiam na vida, que tinha a coragem de nomear o cotidiano, mesmo aquele mais temeroso. A notável professora era Adélia Prado, que neste sábado (13) completa 90 anos, e há décadas ainda desperta fascínio entre leitores de todas as idades. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Centro-Oeste de Minas no WhatsApp A voz que ecoava entre carteiras escolares se transformaria, alguns anos depois, em um dos nomes mais importantes da poesia brasileira. Seus versos, que dialogam com fé, corpo, dores, humor e simplicidade, atravessaram gerações com uma força surpreendente. "Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia, sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia” Essa foi a forma como a poetisa se descreveu em Grande Desejo, poema de Bagagem (1976), lembrando ao leitor que sua poesia brota exatamente desse chão doméstico e humano que ela domina com inventividade. Mas o caminho até a consagração não foi imediato. Em 1973, ainda sem imaginar o alcance que sua escrita teria, Adélia enviou seus poemas ao também escritor e poeta, Afonso Romano de Sant’Anna. Ele foi ponte até Carlos Drummond de Andrade, que escreveu à Adélia uma carta histórica. Nela, o escritor mineiro descreveu os versos da poetisa como “majestosos” e recomendou a publicação. Veja os vídeos que estão em alta no g1 Era o empurrão para o surgimento de Bagagem, obra de estreia que marcou a literatura brasileira. Desde então, Adélia nunca mais deixou de ser referência e, paradoxalmente, continua moderna. Hoje, quase meio século depois do primeiro livro, a poeta que conquistou plateias presenciais agora lota também as redes sociais. Seus vídeos de poesia no Instagram circulam entre jovens, adultos e idosos como se sempre tivessem pertencido a esse ambiente veloz e fragmentado. Adélia Prado e Evaldo Balbino em evento da UFMG em 2001 Evaldo Balbino/Arquivo Pessoal Para o mestre em Literatura Brasileira e Doutor em Literatura Comparada, Evaldo Balbino, especialista e pesquisador da obra de Adélia Prado desde 1998, não há nada de acidental nesse fenômeno: 
“Ela atravessa a era digital e permanece relevante porque a vida pulsa nela. Adélia discute aquilo que é humano. Isso independe de plataforma: funciona no livro, no e-book, nas redes sociais. Primeiro ela conquistou leitores, muitos leitores, e só depois a crítica", pontuou. A poeta que antecedeu o próprio tempo Se hoje é celebrada como cânone, Adélia enfrentou resistência no início. Balbino lembra que, nos anos 1990, quando começou a estudá-la academicamente, ouvia desconfiança de professores e críticos. 
“Muita gente torcia a cara. Diziam que era poética de cozinha, de vida doméstica, sem qualidades literárias. O que não procede. Eu já defendia naquela época a profundidade da obra dela". Para ele, a maturidade poética de Adélia é peculiar. 
“Ela já nasceu madura aos 40 e poucos anos quando publicou o primeiro livro. Antes disso, já escrevia em jornais, revistas, antologias. Sua estreia publicada foi tardia, mas sua voz não era iniciada, era pronta". Essa prontidão talvez explique por que os poemas dela continuam soando contemporâneos, mesmo aqueles escritos em 1970 ou 1975. Para Balbino, a atemporalidade vem do modo como ela mistura metafísico e cotidiano. No poema Clareira, de Bagagem, Adélia pergunta: “Houve esta vida ou inventei?”
E segue dizendo que gosta de metafísica, mas volta aos bastidores, às tarefas do lar, às conversas de comadres. É essa alternância entre o sublime e o trivial que a mantém viva para tantos leitores, como argumenta o estudioso. “Ela consegue dizer poeticamente aquilo que é do humano, do chão, das pequenas coisas, mas com questões existenciais profundas. Por isso conquista tanta gente. E conquista antes mesmo da crítica". A fala que é poesia Escritora mineira Adélia Prado Reprodução/TV Globo Outro elemento decisivo para a popularidade de Adélia é a oralidade. "Ela conversa com o leitor”, diz Balbino. 
“Às vezes um poema parece um bate-papo. Você lê e sente que alguém está falando com você ali, no dia a dia", completou. Na visão dele, poucos autores no Brasil dominam com tanta habilidade o tom oral sem perder densidade. Em Grande Desejo, lembra o Balbino, Adélia escreve: 
“Faço comida e como. Aos domingos bato o osso no prato pra chamar o cachorro". “É simples, mas é profundamente humano”, explica Balbino. “Essa simplicidade aparente esconde camadas interpretativas muito ricas. É literatura de alta qualidade, mas acessível", defende. A poeta de palco, de sala de aula e de cena Adélia Prado cortando a fita de inauguração da biblioteca que leva seu nome na Escola Polivalente, em1977 Arquivo/Escola Polivalente Embora celebrada pela escrita, Adélia também carrega na biografia uma veia teatral, muitas vezes esquecida. 
“É importante lembrar que ela atuou em teatro em Divinópolis, dirigiu peças, trabalhou como atriz. Isso contribui para a presença de palco que ela tem até hoje”, destaca Balbino. A teatralidade também aparece nos poemas, que, segundo ele, “são facilmente encenáveis”. Como exemplo, cita A Diva, do livro Oráculos de Maio (1999), em que Adélia transforma o cansaço do trabalho doméstico em cena dramática e irônica: 
“TEATRO! disse no espelho. TEATRO! E os cacos voaram sem nenhum aplauso". LEIA TAMBÉM: Entre versos e lembranças, ex-alunas e estudantes celebram os 90 anos de Adélia Prado Aniversário de 90 anos de Adélia Prado tem programação especial em Divinópolis Adélia Prado é escolhida para receber título de Doutora Honoris Causa pela UEMG Adélia Prado recebe bênção por carta do Papa Leão XIV A reinvenção de uma autora de 90 anos Adélia Prado apresenta em 1ª mão o livro ‘O Jardim das Oliveiras’ Se o mundo se digitalizou, Adélia não ficou para trás. Sem perder o estilo, ela se faz presente desde 2023 nas redes sociais. 
“A entrada dela nas redes sociais é recente, coisa de três ou quatro anos. Mas o sucesso é natural: o discurso dela se adapta porque é humano, não porque muda para se ajustar às redes”, afirma o pesquisador. Segundo Evaldo, muitos dos novos leitores já tinham contato indireto com a obra de Adélia por outras leituras ou citações, mas só depois descobriram, de fato, a poeta. 
“Nas redes, ela amplia esse público. E cresce porque fala das mesmas questões que sempre falou: corpo, fé, família, desejo, dor, humor, existência". Essa permanência, para Balbino, não é casual.
“O que importa não é a plataforma, é o discurso. E o discurso dela dialoga com qualquer pessoa, porque é um discurso de igual para igual: você, leitor, eu, autora, somos humanos". Entre gerações, entre tempos Instagram Adélia Prado Reprodução/Instagram Quem começou como professora primária, hoje é lida por adolescentes que nunca viram um mimeógrafo, a antiga máquina de cópias manuais, de perto. Adélia é também leitura de adultos que a acompanham desde Bagagem e por críticos que antes a subestimaram. É lida por mães, por filhos, por donas de casa, por estudantes universitários, por religiosos, por artistas... por todo tipo de gente. Adélia continua sendo referência no Brasil e no mundo. É raro, como lembra Balbino, que uma poeta lote teatros, mas ela lota. Que viralize em vídeos curtos, mas ela viraliza. Que consegue ser estudada em dissertações e, ao mesmo tempo, lida como oração por pessoas comuns, mas Adélia consegue. Aos 90 anos, Adélia segue escrevendo, falando, aparecendo em encontros literários e emocionando públicos. A professora que lia seus versos para crianças em uma Divinópolis dos anos 1970 agora ecoa em celulares do país inteiro, em filas de ônibus, salas de aula, lares e palcos. Ela continua dizendo, com uma típica simplicidade desarmante, aquilo que nos funda. Afinal, como escreve em Grande Desejo,
“Quando dói, grito ai, quando é bom, fico bruta". Esse movimento, entre a dor e a alegria, entre o chão e o sagrado, segue guiando sua poesia e forjando a poeta como uma das vozes mais vivas da literatura brasileira. Adélia Prado - a maior poeta mineira do Brasil WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO VÍDEOS: veja tudo sobre o Centro-Oeste de Minas

FONTE: https://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2025/12/13/de-professora-primaria-a-poeta-nas-redes-sociais-como-adelia-prado-se-reinventa-e-chega-aos-90-anos-fazendo-sucesso-entre-geracoes.ghtml


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